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  • Ray Ribeiro

Conceitos de saúde e doença - Um apanhado histórico

Para chegarmos até os dias de hoje, é necessário lembrar que a forma de ver a Saúde e a Doença, depende dos mitos e modelos vivenciados pôr uma cultura. Eles possuem uma história e tem origem com a história do homem; evoluindo segundo o desenvolvimento de sua CONSCIÊNCIA. Assim temos vários modelos até chegarmos a nossa época.


1 - MODELO PRIMITIVO: O homem era subjugado pelas forças da natureza, as quais sua mente não conseguia entender.

A doença era sempre a consequência da violação de um tabu ou de uma ofensa aos deuses. Alguma coisa que vinha de fora e invadia a consciência. Algo que precisava ser transformado e integrado.

O arrependimento e o sacrifício eram necessários para que a cura ocorresse. O curador era uma extensão da relação entre o primitivo e o cosmos. Era ele que “transduz’ ou seja traduz em imagens o que estava “errado” com o indivíduo. A doença é uma punição. É necessário ser perdoado para ter saúde novamente.

Segundo M. Fordham (l957) , a consciência emerge da totalidade psíquica através da de - integração ou seja , um arquétipo se separa e vai para a consciência. A história da humanidade pode ser vista desta forma, com vários de - integrados, e o Modelo Primitivo é o primeiro de - integrado ao que se refere a Saúde e a Doença.

Segundo Dra. Denise Ramos o primeiro exemplo de doença punitiva na cultura judaico-cristã se encontra na Bíblia e exemplifica este modelo. Mirim-irmã de Moisés, o critica porque ele vai se casar com uma mulher etíope (negra). Deus irado com a ofensa volta-se conta ela e envia-lhe uma doença, deixando sua pele branca/ branca (lepra). Como ouça criticar seu irmão? Depois de 7 dias de isolamento e arrependimento, pôde Míriam se curar.

Em todo modelo primitivo aparece a pergunta: O que eu fiz de errado? Pôr que mereço isto? Pôr que eu? Este modelo está dentro de nós. Em muitos centros de umbanda, candomblé ou mesmo em diversas tribos é utilizado, sendo xamã ou o médio que vai ajudar o indivíduo a perceber suas imagens e “o que fez de errado” para poder curar. É o orixá, um Deus que brigou comigo e é necessário fazer um sacrifício para estar de bem de novo com Deus.


2 - MODELO GREGO: Foram os primeiros a observar, analisar, deduzir, sintetizar, dividir Espírito e Matéria.

Platão metade do séc. IV a. C. em seus Diálogos (Sócrates) diz que a medicina é um objeto do homem e que a cura deve se dirigir a alma, pois é da alma que saem todos os males e bens do corpo e é a alma que precisamos tratar.

Hipócrates – um sacerdote nos templos de Asclépio deu origem a medicina moderna, dizia que importava descobrir as causas e dar o remédio, deixando de considerar a importância da palavra no processo de cura do paciente.


3 - MODELO CARTESIANO: Século XVII – A ênfase de que a matéria é separada da atividade da mente, ficou presente a Descartes foi a grande vilão desta história, ele diz: “Suponho que o corpo não seja mais nada além de uma máquina feita de terra a qual Deus criou”. Esta cisão de espírito e matéria compõe o dualismo cartesiano embora Descartes havia especificado que a interação do corpo com a mente se dava na glândula pineal. A complexidade de entender seus princípios filosóficos vai levar a tendência de separar cada vez mais ciência da religião. Na ciência este modelo ganhou grande poder, porém na prática médica começa a aparecer o modelo romântico.


4 - MODELO ROMÂNTICO OU INTERATIVO: primeira metade do séc. XIX. O médico entendia a doença como desequilíbrio não natural provocado pelos fatores: morais, biológicos, psicológicos e espirituais. Como estes fatores eram muito pessoais, o remédio è pessoal de acordo com as observações clínicas de cada paciente, não podendo generalizar.

É neste período que a psiquiatria incorpora definitivamente a medicina. As doenças da alma podem ter uma correspondência com o que ocorre no corpo e vice versa. Os sintomas estariam ligados pôr relações de correspondência e reversibilidade, não tendo uma explicação tão mecanicista. O homem doente é considerado na sua relação consigo mesmo, com os outros e com o mundo, numa visão holística.

Este modelo, predominantemente empírico, não permitindo generalizações, vai no final do séc. XIX ser substituído pelo modelo biomédico na fisiologia experimental.


5 - MODELO BIOMÉDICO. Os parâmetros principais: Reducionismo

Determinismo

Universalismo

A doença era um desvio do normal, não importando mais o desequilíbrio do natural. Todo fenômeno tem uma causa e um efeito. A busca nas anormalidades biológicas, universais da patologia, a formulação da doença como um desvio das normas fixas e fisiológicas. O corpo passa a ser percebido como um conjunto de sistemas relacionados, porém relativamente independentes, com tendência a reduzir os sistemas a partes menores. A fisiologia experimental teve maior sucesso, uma área nobre da Psicologia. Os fatores psíquicos e sociais ficaram fora do tratamento clínico. O indivíduo ficou de lado, dando ênfase nas medidas, testes, diagnósticos, padronizações, objetividade.

O mito dominante é que o homem pode dissecar, manipular e dominar a natureza.

Há muitas confusões de conceitos na medicina e psicologia quando se trata de conceituar fenômenos relativos a relação psique-corpo com doença. Entrando no século XX com uma visão fragmentada do homem, e o início do termo psicossomática.


6 - CONCEITO DE PSICOSSOMÁTICA

1908- Este termo - “Psicossomática” - usado pela primeira vez pôr Heinroth, um psiquiatra alemão ao tentar explicar a origem da insônia. Diz Heinroth: “Como regra geral, a origem da insônia é psicossomática, mas é possível que cada fase da vida possa em si mesma, fornecer a razão completa para a insônia”.

Mais tarde em 1928, Heiroth introduziu o termo “somato - psíquico”, mas não foi bem aceito. Enquanto este termo se aplicava às doenças em que o fator orgânico afetava o emocional, psicossomática indicava o poder das “paixões amorosas sobre a tuberculose” (Haynal e Pasini, l983).

1922- Felix Deutsch , o primeiro a introduzir o termo “Medicina Psicossomática” embora tenha sido Helen Dunbar, com seu livro “Mudanças Emocionais e Biológicas”. Uma pesquisa sobre Inter-relações Psicossomáticas (l9l9-l933) que forneceu a base principal para formação dessa área.

1930- A Medicina Psicossomática é fundada e refletida a confluência de dois conceitos presentes na tradição e pensamento da Medicina Ocidental:

1- Psicogênese das doenças implica na crença de que fatores psicológicos podem causar doenças crônicas.

2- Holismo: Psique-Corpo, uma unidade na sua organização e funcionamento.

O século XIX através de seus escritores médicos dedicou a atenção para a função das emoções como ativadores de fatores patogênicos.

Freud- se preocupou em saber a origem da formação dos sintomas, introduziu uma nova estratégia metodológica para o estudo da mente, como também fez conceitos teóricos e hipóteses que podem ser aplicadas a especulações cobre a etiologia das doenças. Ele usava o termo “conversão” para se referir aos processos em que a excitação era transformada em sintomas histéricos e “complacência somática” para significar uma suscetibilidade orgânica prévia ou simultânea ao trauma e que serviria de “leito” à conversão histérica. Entretanto, ele confirmou essas hipóteses e não as estendeu à doença orgânica. Portanto não avaliou a influência de fatores psicológicos nas funções somáticas.

Groddeck- introduziu a mais radical formulação da psicogênese, embasada em termos psicanalíticos. Seus postulados afirmam que toda doença orgânica serve ao propósito de uma representação simbólica de um conflito interno e objetivo; resolve-lo, reprimi-lo ou impedir o que está reprimido de tornar-se consciente.

Franz Alexander- fez uma formulação mais moderada que Groddeck, rejeita a noção de que o conceito de conversão pode ser aplicado na ocorrência de qualquer doença orgânica, e explicitamente distingue os sintomas da conversão histérica das doenças orgânicas, que ele rotulou de “organo-neuroses” para revelar sua hipotética causa psicológica como não simbólica.

Alexander postula que conflitos inconscientes não resolvidos entre desejos agressivos ou dependentes, de um lado, e as forças opostas do ego e superego do outro, causam tensões emocionais crônicas, com consequências fisiológicas correlatas específicas, causando disfunções e, em última instância, mudanças estruturais de órgãos alvos. Enfatiza ainda, que noção da psicogênese pode não dar conta do desenvolvimento de qualquer doença, desde que fatores constitucionais e outros fatores biológicos devem ser assumidos como co-determinantes em sua ocorrência; em concordância com a doutrina de multicasualidade das doenças.

Esta teoria dominou a Medicina Psicossomática dos anos 30 até l960.

Dentro da linha psicanalítica, destaca-se a escola psicossomática de Paris, através de:

P. Marty, M. Uzan e Ch. David (1963)- onde a idéia central é que os pacientes psicossomáticos diferenciam dos demais pela pobreza do mundo simbólico. Sonham pouco e seus sonhos são “realistas” tendo pouca elaboração psíquica, sendo seu pensamento do tipo operatório, aprisionado no concreto e na orientação pragmática, tendo por tanto pouca ligação com o inconsciente. Esta forma de ver os pacientes psicossomáticos cria uma dificuldade técnica, pois perde a via de trabalho direto com o inconsciente.

J. McDougall (l986/l989)- embora chame estes pacientes de alexitímicos, ou de normopatas, isto é, aqueles que usam de uma normalidade falsa; não afetiva, para se adaptar, considera que muitos pacientes orgânicos não se enquadram nessa conceituação e fornece o conceito do Narcisismo do Self – condição necessária para o desenvolvimento de toda vida psíquica. O indivíduo tem que reconhecer todos seus próprios atributos e isto se dá a medida que conhece seus limites.

Temos ainda as contribuições de C. Dejours que não concorda nem com a psicossomática e nem com a Neuropsicologia. Ele propõe que a atividade do pensar não estaria unicamente no cérebro, mas no corpo todo. Nesta conceituação não há como manter a oposição entre doenças da mente e as doenças do corpo, ou entre doenças mentais e doenças somáticas.

Z. J. Lipowski – “Psicossomática” é um termo que se refere à inseparabilidade e interdependência dos aspectos psicológicos e biológicos da humanidade. Esta conotação pode ser chamada de psicossomática, na medida em que ela implica uma visão do ser humano como uma totalidade, um complexo mente-corpo imerso num ambiente social. A tarefa da Medicina Psicossomática é estudar as complexas interações de fatores psicossociais e biológicos, como fatores de manutenção da saúde e de desenvolvimento, curso e cura de todas as doenças humanas.

Lipowski é bastante crítico ao usar o termo Psicossomático. Ele acredita que multifatores contribuem para o aparecimento das doenças. Fala que Psico/Somática é uma cisão e Psicossoma é uma dualidade. Existem muitos termos que não são usados desta forma, há uma relação de interdependência formando uma unidade.

Diz que Medicina Psicossomática é uma redundância. Ele põe em prática a posição holística. Não existe psique sem o Social.

Tanto na Medicina como na Psicologia o termo - Psicossomática tem sido usado para se referir a uma moléstia sem um diagnóstico claramente orgânico, o uso do termo tem se modificado, pois o reconhecimento da existência de uma interdependência fundamental entre mente e corpo em todos os estágios de uma doença ou saúde. Seria reducionismo dizer que existem doenças de causas puramente psicológicas ou puramente orgânicas.

Temos por tanto hoje, uma tendência para considerar todas as doenças como sendo psicossomáticas, pois sempre envolvem a inter-relação entre corpo e mente na sua origem, desenvolvimento e cura.

LeShan (1992), eminente psicólogo e pesquisador nesta área, descreveu recentemente três princípios que apoiam a medicina psicossomática moderna.

Primeiro: Afirma que o indivíduo existe em muitos níveis ou domínio, todos de igual importância. Dividi-lo em corpos, mente e espírito tem sido o mais comum na tradição ocidental, mas outros níveis podem ser usados.

Segundo: Cada pessoa deve ser tratada como única.

Terceiro: O doente deve ser encorajado a usufruir de sua autonomia no processo de cura.

Estes Três podem ajudar a criar um ambiente onde as habilidades do indivíduo de se curar tem mais probabilidade de vir à tona para ajudar um programa médico alopático ao mesmo tempo tende a produzir um nível superior de atividade nos processos e estruturas, os quais designamos como “sistemas imunológicos” pôr exemplo.

O modelo holístico do fenômeno mente/corpo, uma unidade na sua organização e funcionamento, unitária e integrada, deve ser considerado quando se trata do fenômeno da saúde e da doença. O indivíduo deve ser visto em todos os seus parâmetros; ou seja: Bio Psico Socialmente.

A Psicologia Analítica não fez contribuições diretas para tal problemática do modelo holístico, mas o método psicoterápico proposto pôr Jung “casa” perfeitamente nesta visão.

É possível usar e seguir o modelo analítico para desenvolver uma conceituação aplicável ao fenômeno de doença e saúde, na sua inter-relação com o fenômeno psique-corpo.

7 - MODELO HOLÍSTICO

Holística é uma palavra que vem do grego holos que significa todo. Neste conceito o ser humano é visto como ser integral., o todo é mais do que a soma das partes., tudo está interligado, sendo as totalidades dinâmicas, evolucionárias e criativas. Não podem ser compreendidas pela dissecação de suas partes, nem preditas pela observação de seus componentes.

Segundo P. Weil, esta palavra foi usada primeiramente na ciência em 1926 por Smuts, no livro Holism and Evolution, para designar o conceito que o universo seria um conjunto em formação, havendo uma força vital responsável pela formação em diferentes níveis: ideológico, biológico, psicológico.

Com o avanço em outras áreas do conhecimento como na física, na biologia, na química e na psicologia, este princípio tem nos aproximado a uma visão de mundo onde qualquer evento neurobiológico e as descrições moleculares da vida psíquica começaram a revelar a interdependência mente-corpo como uma unidade significativa.

A física quântica que tem nos ensinado que matéria e energia são dois aspectos diferentes de uma mesma realidade e que suas propriedades físicas podem ser observadas somente como probabilidades estatísticas. Essa indeterminalidade é de fato, uma função da relação matéria-energia com a mente do experimentador. Portanto, a teoria quântica questiona o princípio da causalidade e do determinismo, levando a profundas mudanças tanto nas ciências humanas como biológicas como na teoria da evolução e na psicologia.


8- MODELO ANALÍTICO

Em 1906 Carl Gustav Jung desenvolvia o teste de associação de palavras para diagnosticar neuroses e psicoses através dos complexos que emergiam nos experimentos de psicofisiologia humana. Pode observar que o complexo é autônomo e substitui o poder constelador do complexo-egóico. Com o resultado de seus experimentos disse:

“Os sintomas físicos e psíquicos não são nada mais do que manifestações de complexos patogênicos”

“Quanto maior a intensidade e a autonomia do complexo, maior a sintomatologia; “seu efeito é o de produzir uma doença"

Alguns conceitos básicos.

· A psique é uma totalidade, tendo como seu centro ordenador de todos seus conteúdos - o SELF.

· O ego que é originário do arquétipo do Self tem uma base psíquica e outra somática.

· A formação da imagem corporal não é apenas resultante das experiências pessoais, mas baseia-se na relação ego-Self, a qual também tem uma representação corpórea.

· O corpo da mãe é a primeira representação do mundo externo e é através desta relação que a criança vai se diferenciando, desenvolvendo e se firmando. A base da função transcendente.

· Mente e Corpo - um par de opostos e como tal

“a expressão de uma única entidade, cuja natureza essencial não é conhecível... O homem, como ser vivo, aparece externamente como um corpo material e internamente como uma série de imagens das atividades vitais que acontecem dentro dele”.

· O símbolo é a expressão do fenômeno psique-corpo, feita através da percepção das alterações fisiológicas e das imagens referentes, sincronicamente. Um complexo tem sempre uma expressão corpórea através da qual podemos Ter a chave para a compreensão da doença.

· O símbolo aponta uma disfunção, um desvio que precisa ser corrigido, quando a relação ego- Self fica alterada.

· Os sintomas são pistas para podermos entender o que acontece com o indivíduo, eles devem ser amplificados para encontrarmos suas causas.

· Toda doença tem uma causa e uma finalidade.

· Doença é uma expressão simbólica.

· Os sintomas somáticos ou psíquicos têm origem nos complexos. A constelação de um complexo provoca uma alteração no nível fisiológico e psicológico sincronicamente, quer o indivíduo tenha ou não percepção dessas alterações.

· A Psicologia Analítica retoma a questão do significado da doença, tanto física como mental.


9 – MODELO QUÂNTICO DE HOMEM – Este modelo foi retirado do site da UNIFESP. Nele podemos entender as diferentes dimensões do Ser Humano e em cada uma delas as Avaliações que podemos fazer e do lado direito as Intervenções.

Temos uma dor – no terreno físico onde a Medicina convencional se utiliza de Exame Físico para poder entender, passando pelo Terreno Biológico / metabólico onde os exames são usualmente pedidos e feitos, para suprir o que há de necessidades; ou ainda para verificar o que está doente. No nível dos Sentimentos temos o Campo Vital que pode ser avaliado pelo SF- 36 Questionário Genérico de Qualidade de Vida ou mesmo o WHOQOL e seus tratamentos pela Acupuntura ou mesmo a Homeopatia. No campo Mental onde as Emoções e Pensamentos estão presentes; uma bateria fatorial de personalidade detecta o o tipo de funcionamento psíquico deste indivíduo e a psicoterapia vai ajuda-lo a se conhecer melhor e resolver seus desafios. Finalmente a última dimensão do homem, temos o Supra Mental onde as intuições prevalecem e com Avaliação de mindfullness ou Atenção Plena através da meditação é possível ter uma melhora dos seus sintomas e viver uma vida em plenitude, diminuindo o estresse e tendo Qualidade de Vida.

10-SLOW MEDICINE OU MEDICINA SEM PRESSA – Esta é a forma mais Saudável de se tratar para os dias atuais.

Abaixo, leiam o artigo na íntegra retirado do site www.slowmedicine.com.br

No dia 12 de abril de 2017 comemoramos um ano da publicação do site Slow Medicine Brasil – a Medicina sem Pressa. Para marcarmos esta data, publicamos esta matéria escrita pelo Dr. Dario Birolini, nosso mentor e conselheiro nesta iniciativa, onde ele comenta o artigo que lançou os fundamentos teóricos da Slow Medicine.

Por Dario Birolini:

Há cerca de 15 anos, Alberto Dolara, cardiologista italiano, escreveu este breve texto que serviria de inspiração e de estímulo para a criação da “Slow Medicine” na Itália. Na introdução do texto, Dolara menciona algumas palavras de Dante Alighieri, escritor e poeta florentino que viveu na transição do décimo terceiro para o décimo quarto século, palavras que alertam para o conflito entre a honestidade e a pressa. Percebe-se, assim, que este conceito está implícito a uma cultura existente há séculos, mas que foi distorcida com o passar do tempo e destruída nas últimas décadas. Hoje vivemos uma época caracterizada pela divulgação espantosa de desinformações que comprometem a interpretação dos fatos por parte do público leigo e deturpam o exercício da assistência médica por parte dos profissionais de saúde. Vivemos, como eu afirmo há muito tempo, em um mundo que perdeu seu respeito pelos seres humanos e acredita apenas na dupla fatídica “innovation and technology”. Conforme afirmou Albert Einstein há alguns anos, “duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas, em relação ao universo, ainda não tenho certeza absoluta”. Ele ainda afirmou “tenho medo do dia em que a tecnologia superará o relacionamento humano. O mundo terá uma geração de idiotas”. Mais recentemente Umberto Eco perguntou o seguinte:“num mundo com sete bilhões de pessoas, você não concorda que há muitos imbecis? Na internet, o imbecil pode opinar sobre tudo o que não entende”. É essencial lembrar que cada um de nós tem características físicas e funcionais absolutamente próprias, geradas a partir de seu perfil genético e modificadas, para melhor ou para pior, por seus hábitos de vida. Neste sentido, Dolara incentiva a adoção de hábitos de vida saudáveis e alerta para a necessidade de que a mídia passe a adotar uma política de cautela, não repassando à população a ilusão de que determinadas medidas diagnósticas ou terapêuticas possam não somente eliminar todas as doenças, mas adiar o fim da vida. No âmbito da prevenção, por exemplo, alerta para o fato de que um “screening” precoce pode induzir ansiedade para o paciente e motivá-lo à realização de procedimentos terapêuticos inapropriados. A adoção de “screening” genéticos pode tornar este desafio mais evidente e, em alguns casos, despertar dúvidas e questionamentos éticos de difícil resolução. Um exemplo é o “screening” genético do carcinoma mamário. Em conseqüência destes fatos, o que, no passado, era o fulcro de nossa profissão, a relação clara, honesta, respeitosa entre o médico e o paciente, foi progressivamente substituída por “check ups”, protocolos, consensos, “guidelines” que deixam de considerar a individualidade do ser humano e que, não raramente, são induzidos por interesses econômicos ou pessoais tanto da indústria como de profissionais da saúde. Como conseqüência deste tsunami, o paciente é levado a acreditar muito mais em exames complementares do que no parecer do médico e a aceitar, como regra inquestionável, que o uso de medicamentos, tanto para o tratamento como para a prevenção de doenças, é indispensável por ser muito mais eficaz do que a adoção de hábitos saudáveis de vida. Dolara termina seu texto ressaltando o impacto da adoção da “slow medicine” nos cuidados na fase terminal da vida, momento no qual o fundamental é manter um vínculo emocional com o paciente e com a família, muito mais que adotar medidas tecnológicas intempestivas. Traduzindo, aqui, o resumo do Convite a uma “Slow Medicine, Dolara afirma que a “hiperatividade é freqüentemente desnecessária na prática clínica. A aplicação de uma “Slow Medicine” pode favorecer resultados melhores em muitas circunstâncias. Ela permite que os profissionais de saúde, particularmente os médicos ou os enfermeiros, tenham tempo suficiente para avaliar os problemas pessoais, familiares e sociais dos doentes reduzindo sua ansiedade enquanto estão aguardando procedimentos diagnósticos ou terapêuticos não urgentes, para analisar com atenção procedimentos e tecnologias de vanguarda, para evitar altas hospitalares prematuras e, enfim, para oferecer um apoio emotivo adequado aos pacientes em fase terminal e a suas famílias”.

Dolara prossegue com alguns exemplos:

Enfatiza a importância do papel do médico, seja ele generalista, especialista ou hospitalista, no sentido de estabelecer uma relação clara e respeitosa com o doente e sua família, no sentido de oferecer-lhes a escolha mais adequada para o atendimento.

Sugere que a aplicação de avanços terapêuticos deve ser vista com ponderação. Como exemplo, Dolara menciona a correção sistemática de defeitos inter-atriais realizável, nos dias atuais por via percutânea. Ainda que tais procedimentos possam ter indicação, seu uso em crianças implica na existência de um corpo estranho com o qual o paciente deverá conviver para o resto de sua vida, com consequências nem sempre previsíveis.

Chama a atenção, também, para os riscos inerentes às altas hospitalares precoces com o intuito de reduzir os custos assistenciais. Alerta para o fato de que, considerando a mudança do perfil demográfico da população e o processo de envelhecimento populacional, tal atitude pode comprometer a continuidade da assistência e não raramente levar a repetidas internações hospitalares, particularmente naqueles pacientes com idade avançada e portadores de doenças crônicas.

Termino estas palavras, pedindo perdão por repetir aqui considerações que tenho feito em várias outras oportunidades. Justifico, entretanto, esta iniciativa por minha absoluta convicção de que, ao aceitar os conceitos da “Slow Medicine” a sociedade terá vantagens inquestionáveis tanto no que diz respeito à saúde e à qualidade de vida da população como para reduzir o desperdício econômico hoje vigente, em iniciativas totalmente injustificáveis.

Slow Medicine, a sua medicina para uma vida saudável

-Dez princípios da Slow Medicine-

1. Tempo

Tempo para ouvir, para entender, para refletir. Tempo para consultar e tomar decisões. A tomada de decisões melhora quando os médicos dedicam seu tempo e sua atenção ao paciente.

2. Individualização

Cuidado particularizado, justo, apropriado. A individualidade em lugar da generalidade. O paciente deve ser o foco da atenção e seu ponto de vista e seus valores são fundamentais.

3. Autonomia e Auto Cuidado

Decisões compartilhadas. A chave da questão são os valores, expectativas e preferências do paciente. Nela estão envolvidos o ambiente de cuidados do paciente, sua família, vizinhos, amigos e outras fontes de suporte ou apoio.

Neste conceito de saúde, que transcende o antigo conceito de saúde da OMS (“um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afeções e enfermidades”) o foco é no auto cuidado e resiliência(*), com ênfase na saúde e não na doença, abordando os cuidados de saúde e a prevenção de doenças e a manutenção da qualidade e da acessibilidade dos cuidados .

5. Prevenção

Alimentação saudável é a prescrição básica para uma vida saudável. Atividade física regular, pensamento positivo e flexibilidade mental são essenciais para manter nossos cérebros saudáveis.

6. Qualidade de vida

Fazer mais nem sempre significa fazer melhor. Mais que quantidade deve-se investir na qualidade, na aceitação do inevitável. Deve-se sempre considerar a arte médica de não intervir – a sabedoria da observação clínica .

7. Medicina Integrativa

O melhor de 2 mundos: medicina tradicional sempre que indicada . Medicina complementar se possível , preferencialmente baseada em evidências. Segurança em primeiro lugar, eficácia quando possível. Sem metáforas da luta ou guerra contra a doença. As palavras de ordem são recuperação, equilíbrio, harmonia.

8. Segurança em primeiro lugar:

Lembre-se do juramento de Hipócrates : Primum non nocere et in dubio abstine. Em primeiro lugar não causar o mal. Em dúvida, abstenha-se de intervir.

9. Paixão e compaixão

Resgatar a paixão pelo cuidar e o sentimento da compaixão na atenção médica. Buscar incansavelmente a humanização dos cuidados à saúde.

10. Uso parcimonioso da tecnologia

A tecnologia deve servir ao homem. As novas tecnologias devem cumprir seus objetivos de auxiliar a pessoa no autocuidado e auxiliar o médico a tomar as melhores decisões para seu paciente, que busquem primordialmente melhorar sua qualidade de vida.

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Os 10 princípios: tradução livre do texto do Grupo Slow Medicine Holanda.

*Resiliência, segundo o dicionário Houaiss: (substantivo feminino) 1 fís propriedade que alguns corpos apresentam de retornar à forma original após terem sido submetidos a uma deformação elástica 2 fig. capacidade de se recobrar facilmente ou se adaptar à má sorte ou às mudanças Etimologia ing. resilience (1824) ‘elasticidade; capacidade rápida de recuperação’.




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